sexta-feira, 24 de outubro de 2008
O Amor Salvador de um Deus que nos Adopta…

Amigos, tenho esta experiência no centro da minha própria história. O meu pai morreu quando eu tinha 3 anos. A minha mãe tinha 24, e as coisas não ficaram bem, claro. Passado pouco tempo, com as habilitações que tinha, concorreu a nível nacional para uma colocação no Ministério da Educação. Foi destinada para o Porto. Lá fomos… A partir daí seríamos apenas nós os dois.


Até que…


Eu tinha 16 anos, e a minha mãe tinha conseguido um ano antes comprar um apartamento no centro do Porto, junto ao Marquês, depois de termos passado vários anos em pequeninos quartos alugados. O Marquês era uma grande rotunda e jardim, de sebes fechadas e árvores altas, antes de serem construídas lá as estações do Metro. Foi lá que conhecemos o Flávio.


Na altura não sabíamos que se chamava Flávio, nem sequer sabíamos se era menino ou menina. Era uma criança que aparentava 4 ou 5 anos, sempre suja, sempre alegre, também, com um cabelo comprido que se via que era muito loiro. E uns olhos enormes. Passava o dia por lá, correndo, brincando com a água e com os ramos partidos das árvores e passando tempos infinitos na montra de uma loja de electrodomésticos que punha sempre os desenhos animados da TV2 só por causa dele…


Lembro-me que a primeira vez que subi com ele lá em casa, entrámos no elevador e disse-lhe: “Agora vamos para o dois”. E ele, inesperadamente, carregou no botão! “Como sabias que era esse? Sabes os números?” E ele, todo vaidoso, disse: “TV Doooooiiiiissss” Conhecia o numero de o ver na televisão…


Tinha nascido num contexto de prostituição e toxicodependência. A mãe estava já no fim, pai não havia. Saltando muitas coisas, partilho apenas a experiência… Tudo começou com não passar adiante. Com falar, tocar, brincar… Pagar qualquer coisa na pastelaria ou trazer cá para fora e dar-lhe, onde não o deixavam entrar por ele já ter feito por lá asneiras…


Depois, levá-lo lá a casa, dar-lhe de comer… Não conhecia o nome de comida nenhuma. Não sabia o que significava a palavra “sopa” ou a palavra “bife”. Apaixonou-se por laranjas, descascadas e cortadas às rodelas num prato, com açúcar. Também “balancia” e bananas. Depois veio a sopa, que adorava. E habituou-se até a perguntar o que era a “sobernesa”.


Depois vieram os primeiros banhos, o cabelo cortado, a roupa lavadinha… O começar a tomar conta da casa, a ter os seus espaços, nós a acomodarmos tudo num apartamento pequeníssimo para arranjar onde por um cesto de basket de faz de conta, ou inventar umas balizas, ou improvisar uma ida à praia que, de repente, eu fazia lá no quarto.


Com um processo no Tribunal de Menores pelo meio, com uma passagem por uma instituição de internato que não durou nem um ano e em que vinha passar sempre connosco os fins-de-semana e férias, tornou-se impossível não ser parte da família. Já o amava inteiramente como um irmãozinho que Deus me tinha dado. A minha mãe já o amava a ponto de estar disposta a fazer por ele tudo o que faria por mim. Ele amava-nos também. E a casa ganhou vida. Um T1 passou a dar para 3! Qual era o problema?! A nossa vida pode ser bem maior que o tamanho dos nossos espaços, bem maior que o numero de zeros das nossas contas.


É impossível meditar no Amor Salvador do meu Deus sem reviver por dentro esta experiência. O meu irmão vai fazer em Dezembro 19 anos! Está a tirar o curso que quer há muito tempo, desde pré-adolescente: chefe de cozinha. Está mais alto que eu e, aqui entre nós, é o único de quem admito que, no fundo, até é mais bonito…


Já fartámos de brincar e de mandar vir um com o outro como fazem os irmãos de verdade. E amamo-nos.


Qual é o máximo que pode alcançar o amor? Qual é o máximo? É dizer: ÉS MEU! SOU TODO PARA TI! É inserir o outro no mais íntimo e peculiar da sua própria vida, é adoptá-lo, torna-lo membro da própria família! O máximo alcance do amor é a Assunção, isto é, Assumir o outro em si, na sua própria vida, assim como ele é, diferente e único.


É disto mesmo que falamos quando meditamos no Amor Salvador de Deus. Um Amor que chega ao máximo do Seu Dom para nós que é Assumir-nos na Sua própria Família! Fazer-nos Seus! ÉS MEU, segreda-nos em Jesus, E EU SOU TODO PARA TI! Esta é a Boa Notícia!


A Salvação do nosso Deus não é uma “esmola” que Ele divinamente nos dá, não é outra coisa senão Ele mesmo a dar-se, na Sua própria Comunhão Familiar, como nossa Casa. Deus faz-Se nossa Casa eterna, nosso Lar, nossa Família. Dá-nos o Seu Nome e introduz no mais íntimo da nossa Vida o Seu próprio Sangue. Somos da Família de Deus, somos filhos de Deus-Pai e irmãos de Deus-Filho na consanguinidade que o Espírito Santo faz acontecer dento de nós.


Deus ama-nos sem nos deixar fora de Si. Não pode! Deus não se limita a “pagar-nos uma salvação na pastelaria da esquina do Céu”… Deus senta-nos à Mesa da Sua própria Casa! Deus não se limita a “vestir-nos com uns trapos novos” mas leva-nos ao quarto do Seu próprio Filho e reveste-nos com a Sua própria Vida e o Seu próprio Amor, que são as Vestes do Homem Novo! Deus não nos diz apenas que gosta de nós… Deus revela em Jesus de Nazaré que está disposto a ir até ao fim, disposto a perder-Se para nunca nos perder a nós! Somos para Ele motivo válido para viver e para morrer se fosse preciso!


Assim é o Amor de Deus revelado em Jesus, o Deus do Reino, de um Novo Mundo que está permanentemente a acontecer por baixo das casacas mortas dos nossos dias… Deus assume-nos na Sua própria Família… O Pai assume-nos como filhos, o Filho assume-nos como irmãos… o Espírito Santo faz a Festa da Família que, se pensares bem, está sempre em Festa porque está a ser sempre nova!


Saboreamos o Amor do nosso Deus que, em Jesus, saiu ao nosso encontro para nos dar Boas Notícias: que não está zangado connosco, que deixou tudo para nos procurar, que é possível vivermos de outra maneira… e, acima de tudo, para nos pedir, por favor, que aceitemos que Ele nos ame como um Pai. É isso que Ele passa o tempo todo a fazer… Sair ao nosso encontro e, pelo sussurro do Espírito no nosso Coração, pedir-nos, por favor, que O deixemos amar-nos como um Pai ama um filho. Quando descobrimos isto dentro de nós percebemos que nascemos de novo.




Rui Santiago


24 Out. 08





 
por Maria a 24.10.08 | Permalink |


1 Comments:


  • At outubro 24, 2008, Blogger Maria

    Só para vos dizer que falta uma foto do que tinha mas que não consegui passar para aqui! Nem imaginam..o Padre Rui assim adolescente..com o mano ao colo=) Vou imprimir o texto e levar logo para vocês verem...eheh

    Beijoka****